Faz um tempo eu estou querendo postar algum conto meu aqui. Agora pouco eu simplesmente tive algumas idéias que me pareceram interessantes. Portanto decidi postar a primeira parte do tal conto. Outra hora dou continuidade a escritura.
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Ana se considerava uma garota estranha, mesmo sendo tão comum aos olhos de gente "normal". Não tinha nenhum atributo físico que realmente a distinguisse do resto da humanidade, sendo assim, era apenas mais uma criatura com duas pernas, dois braços e um par de seios, tudo em perfeito funcionamento. E porque haveria de ser diferente? Ela se considerava uma aberração. Achava que por ser tão incomum comparada ao resto não era direito (e nem de grande serventia) que sua aparência demonstrasse o contrário. Pensava que o ideal seria aparentar essa sua esquisitice: imaginava-se com um olho na testa, um par de chifres ou até dois ou três dedos a mais em cada mão. A natureza porém não havia lhe dado a fronte excentrica como sua personalidade. Descobriu alguns anos mais tarde que talvez fosse mais normal do que imaginava (esquecendo, vez ou outra, que isso é tão relativo quanto o tempo). Não era o que as pessoas comumente consideravam bela, mas tinha alguma coisa que arrancava suspiros dos homens (e até algumas mulheres). Ninguém saberia dizer exatamente o que era, simplesmente estava ali, e muitos apreciavam.
Trabalhava em uma cafeteria localizada numa ruazinha sem saída chamada estupidamente de Cafés. Achava que a falta de criatividade para o nome tinha uma explicação óbvia: ele fora a última coisa a ser pensada. Primeiramente o mentor daquele lugar pensou na decoração ideal, na locação perfeita e só então, com as idéias já esgotadas, lembrou-se que o estabelecimento deveria ter um nome. Logo optou pelo óbvio (porém ridículo).
Apesar de tudo sempre tivera um enorme carinho pelo lugar, sendo, antes de mais nada, assídua frequentadora do local. Sempre que podia passava por lá para tomar um café e comer uma deliciosa fatia de torta de morango (especialidade da casa, se querem saber). Um dia, cansada de se alimentar de sanduiches por falta de dinheiro, viu uma placa auspiciosamente pendurada na vitrine. "Procuramos funcionários". Na mesma hora falou com a dona. Não foi necessário muito esforço, tendo em vista que já sabia como funcionava tudo por lá, pelas muitas tardes de ócio despendidas no café.
Uma semana depois já conhecia todos muito bem. Era a queridinha do lugar, pois sempre tivera facilidade para o encanto (mesmo não sabendo disso). Pessoas das quais nunca conversara na vida despejavam rios de confissões em seus ouvidos, o que não era exatamente desagradável para nossa incomum heroína. Satisfazia sua curiosidade, ao mesmo tempo que lhe dava no que pensar nas noites solitárias em sua cama, quando o livro (seus companheiros fiéis) que estava lendo já havia lhe cansado.
Sua vida continuou a mesma durante vários meses, até que um dia surgiu, sem aviso prévio, um rapaz no Cafés. Era um homem relativamente comum. Na verdade beirava o ordinário, não fosse a gravata de um vermelho vivo que usava todos os dias em combinação com o paletó preto. Abriu a porta, sentou-se na mesa mais próxima e acenou para a primeira garçonete que viu. Óbviamente, Ana. Ela anotou seu pedido: uma água mineral sem gás, um café preto e qualquer coisa que deixasse um gosto doce em sua boca. Tendo o poder de escolha em suas mãos e não podendo ofertar nada além de comida (por mais que ela quisesse; Ele não era feio afinal de contas), Ana sugeriu a torta de morango, o que não pareceu comover muito o homem, que assentiu sem muito entusiasmo como se dissesse "tudo bem, como quiser, apenas faça seu trabalho e deixe-me fazer o meu". Esse comportamento blasé irritou um pouco Ana, mas não demonstrou nada. Se ele fazia isso ela também podia. Enquanto preparava o pedido dele, notou que ele havia botado um grande livro na mesa, bem na sua frente. Abriu em uma página específica, pegou uma caneta e começou a escrever. Achou estranho, mas logo concluiu que o rapaz era estudante, provavelmente de alguma faculdade. Medicina? Direito? Sua aparência tão comum e ordinária dizia que era isso. Mas vai saber? Talvez fosse algo menos tradicional. Ana deu de ombros, fingindo não estar interessada em saber. Porém quando foi entregar o pedido, sua curiosidade falou mais alto. Deu uma olhada de leve para o tal livro e notou algo muito estranho. As folhas estavam em branco. Ele era um escritor. Impressionante! Nunca conhecera um pessoalmente. Achava que seres assim só existiam nos campos mais inóspitos da mente das pessoas, assim como personagens folclóricos e criaturas mitólogicas. Para Ana, pessoas assim eram inacessíveis e não podiam, de maneira alguma, serem visitadas em seus mundinhos particulares. De qualquer maneira os fatos lhe provaram o contrário, como ela sempre esperou que fosse em sua vida (Deus nunca falou com ela nem nunca apareceu diante de seus magníficos olhos verdes). Só se arrependeu de não ter demorado mais um pouco ao lado dele, para poder ler pelo menos uma ou outra linha do que escrevera até então.
O rapaz deve ter ficado sentado naquela mesa durante umas duas ou três horas. Quando finalmente começou a escurecer lá fora, ele pegou seu livro, pagou o que devia e foi embora, sem nem ao menos se despedir. Ana ficou boquiaberta com a estranheza daquele dia. Um cara que ela nunca vira na vida entrou e roubou sua atenção durante todo o resto da tarde. Achou injusto. Devia ser proibido por lei as pessoas serem tão interessantes. Ela reclamava, porém não sabia que inconscientemente fazia a mesmíssima coisa com os outros.
Aquele dia quando voltou para casa não conseguia pensar em mais nada além do misterioso escritor. Nem ao menos conseguiu ler nada antes de dormir, porque qualquer coisa já fazia sua imaginação voar alto e pensar em mil histórias que poderiam estar sendo escritas por ele. Sem saber o que fazer a respeito da situação simplesmente desligou o abajur, deitou a cabeça no travesseiro e dormiu.
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